Amizade, companheirismo, carinho, ou pelo menos solidariedade, são sentimentos difíceis de ver entre vizinhos ultimamente. Com a velha desculpa de não ter tempo pra nada, da correria do dia a dia, o que se tem visto são vizinhos cada vez mais distantes, sem nenhum tipo de relação um com outro e ruas cada vez mais vazias.
As ruas das cidades servem a vários fins além de comportar veículos e as calçadas, a parte das ruas cabe aos pedestres, servem a muitos fins além de abrigar pedestres. Esses usos estão relacionados à circulação, e à forma de apropriação das pessoas.
Antigamente, era comum vermos ruas cheias, com crianças brincando, adultos conversando na porta de casa, na padaria, no barzinho da esquina, entretanto, hoje isso é uma raridade. Ficar na rua já não se trata de diversão e sim de perigo. Quando uma pessoa diz que uma cidade, ou parte dela, é perigosa, o que quer dizer basicamente é que não se sente segura nas calçadas. A rua perdeu seu ar de meio comum a todos e tornou-se incomum. Sempre que podemos tentamos evitar a rua: se estamos andando, o passo é ligeiro para chegarmos logo ao destino; se estamos de carro, o vidro está fechado para evitar qualquer tipo de abordagem; se já anoiteceu, passar na rua é um ato de loucura; isso tudo porque a rua tornou-se um local praticamente inabitado e, consequentemente, perigoso.
Em seu livro Morte e Vida de grandes cidades, Jane Jacobs, mostra como certas vias públicas não dão oportunidade alguma à violência usando o exemplo das ruas do North End, em Boston. As ruas desse distrito são constantemente usadas por um grande número de pessoas, algumas trabalham lá ou próximo de lá; outros vão lá a passeio; enfim a segurança das ruas do North End é feita pelos próprios moradores e visitantes. Alguns moradores de lá, afirmam que há quase 30 anos não se ouve falar de crimes em North End o que prova que rua habitada não combina com violência.
No curso de Arquitetura que estou fazendo, pude ter um exemplo vivo de que a rua não esta presente na vida das pessoas. Foi proposto aos alunos que fizessem uma intervenção em uma vaga de carro para que pudéssemos analisar a reação das pessoas que por ali passariam. Tivemos dificuldade em fazer análise por vários motivos. Primeiro, pelo fato da rua estar vazia, era sábado de manhã e somente alguns carros passavam e poucos pedestres transitavam. Segundo, devido às pessoas terem “receio” em se aproximar e apropriar do espaço, demonstrando certo “medo”. Terceiro, por alguns moradores terem se incomodado com a nossa presença ali. E por último, pela indiferença que as pessoas mostravam em relação à nossa intervenção.
Na verdade, ao fazer esse trabalho a minha maior curiosidade era de como seria a forma de aproximação e apropriação das pessoas em relação à minha intervenção. Eu não queria limitar essas atitudes, já que, como diz Hertzberg no seu livro Lições de Arquitetura, o projeto não pode apresentar uma extrema funcionalidade, pois o torna rígido e inflexível, isto é, oferece ao usuário do objeto muita pouca liberdade para interpretar sua função de acordo com sua vontade. Outro ponto do trabalho que pode ser relacionado ao livro do Hertzberg, se diz respeito ao fato das dimensões do espaço ocupado que, no nosso caso, era um espaço relativamente pequeno de 5,00 m x 2,5 m, mas era o tamanho exato para o que queríamos propor. O livro destaca que as vezes os lugares muito amplo se tornam desertos e muito impessoais. Atividades e usos diferentes exigem dimensões espaciais diferentes.
Enfim, o trabalho e a leitura do livro de Jane Jacobs e de Hertzberg puderam me mostrar o quanto as pessoas são indiferentes às ruas, inclusive às ruas em que moram. Isso pode representar um grande problema pras cidades tanto pelo fato da segurança, quanto pelo fato da possível “morte” das cidades, que pode se dá através da falta de pessoas interagindo com ela.
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